Bacafá

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Férias, educação e Sabato.

Férias. Não posso reclamar das minhas últimas. Das férias em si, pelo menos. Esse ano o roteiro foi das praias aqui em Santa Catarina mesmo. De Piçarras a Laguna há diversos lugares paradisíacos. Nos lugares que pegamos congestionamento, já sabíamos deste risco. Não era novidade. Então, penso, quem reclama dos engarrafamentos nas praias já sabidamente sem estrutura viária, poderia fazer a opção de escolher outros lugares para descansar e aproveitar, sem perder tempo com o estresse. Não quero dizer, com isso, que devemos nos acomodar com as más administrações públicas. Nem, tampouco, que as vias principais de escoamento (como a BR 101, parte sul, e BR 280) devem ser esquecidas. Entretanto, em férias, ainda temos a possibilidade de optar.

Mas não é sobre isso que resolvi falar hoje. O assunto é a educação nas férias. Ou deseducação. E sobre como é fácil sermos corruptos, no sentido mais amplo da palavra. As situações mais corriqueiras demonstram o relaxamento ético pelo qual estamos, aparentemente, passando. Se por um lado temos mais consciência da importância do voto e da necessidade da cobrança de postura e trabalho dos eleitos, por outro nos acomodamos ou somos coniventes (por que não cúmplices?) com o mau comportamento alheio.

E o verão é fértil para estes arranjos. Nas praias: donos passeando com seus animais na areia onde, não raro, fazem suas necessidades; pais enterrando fraldas descartáveis recheadas na areia; filhos jogando embalagens de picolé no mar; jogadores praticando seu caquético futebol sem se importar com quem não quer tomar banho de areia ou levar bolada. Nas estradas: os campeões de audiência são a ultrapassagem pelo acostamento, as buzinadas que nada resolvem e os xingamentos gratuitos. Nos cinemas: furadores caras-de-pau de filas; comedores de boca aberta de salgadinhos fedidos; conversas ao telefone celular; piadas sem graça em alto tom sobre cenas do filme. Em todos os lugares: fumantes jogando sua fumaça para quem não quer cheirar e os restos de seus cigarros pelo chão, pela sacada ou pela janela do carro ou do apartamento.

Não tenho a menor sombra de dúvida que todos lembraram de alguma situação que presenciaram ou ouviram falar sobre a falta de educação alheia. Alguns, talvez, tenham se enxergado nos exemplos descritos.

Nessas horas lembro de Ernesto Sabato, um escritor argentino, já com experiência para dar e vender, quando diz, na sua obra A resistência, que “a vida dos homens centrava-se em valores espirituais hoje quase em desuso, como a dignidade, o desinteresse, o estoicismo do ser humano perante a adversidade. Esses grandes valores, como a honestidade, a honra, o apreço pelas coisas bem-feitas, o respeito pelo outro, nada disso era excepcional, mas coisas que se encontravam na maioria das pessoas. (...). Outro valor perdido é a vergonha. Vocês perceberam que as pessoas não têm mais vergonha, e que podemos encontrar qualquer sujeito acusado das piores corrupções misturado com gente de bem, com um largo sorriso no rosto, como se nada tivesse acontecido? Em outros tempos, sua família teria se enclausurado, mas agora tudo dá na mesma, e alguns programas de televisão até convidam o criminoso e o tratam como a um distinto senhor.”

Nem precisa ser um grande corrupto para não ter vergonha. Quem nunca se deparou com algum elemento que arrotou suas proezas por ter levado vantagem, seja por um suborno para não levar multa ou por um troco a mais que recebeu, percebeu e não devolveu?

E por que tudo isso? Por que essa irracionalidade quando a humanidade progride tanto em tantas áreas? Talvez o próprio Sabato nos dê uma idéia da resposta: “A televisão nos tantaliza, como que nos enfeitiça. Este efeito entre mágico e maléfico resulta, penso, do excesso de luz que nos toma com sua intensidade. Inevitável lembrar que ela produz o mesmo efeito nos insetos, e até nos grandes animais. Então não apenas é difícil afastar-se dela, como também perdemos a capacidade de olhar e ver o cotidiano”.

2 comentários:

Alline disse...

Eu não sei Raphael, às vezes penso que as pessoas se sentem no direito, por estarem longe de casa, de tirar férias da educação também. Parece que já que a pessoa não vai ficar muito tempo ali pode fazer o que quiser - abusar, sujar, emporcalhar. Conduta abominável!

Em breve serei eu a tirar férias, mas não vou longe. Um post explicará meu destino...

Beijo pra ti e bom fim de semana =)

Raphael Rocha Lopes disse...

Alline, realmente essa é a impressão que dá em alguns casos, mesmo. Aquela velha história: quem desses porcalhões joga papel de bala ou resto de cigarro no chão de casa?
E boas férias pra você...