Bacafá

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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Contos de quinta: Noite escura.

Noite escura.

Todo o material estava em cima da mesa, esparramado. Livros, cadernos, canetas, lápis, borrachas, réguas, tudo. A chuva torrencial e incessante lá fora atrapalhava seus pensamentos. Parecia ter molhado suas idéias, encharcado de forma tão intensa que os neurônios haviam se afogado. As sinapses simplesmente não ocorriam. Um curto-circuito geral que gerou um apagão no cérebro.


De repente o apagão do cérebro se alastrou pelo bairro inteiro. Tudo escuro, e o barulho do céu caindo em forma de grossos pingos. Sentado no sofá, viu o maço de cigarros e o isqueiro na mesa de centro quando um relâmpago brilhou por uns dois segundos. Quatro segundos depois veio o estrondo que fez tremer as janelas. A rua já estava virando rio. No gramado da casa, uma lâmina que refletia os raios que se sucediam.

Do andar de cima desceu ela. Assustada, descabelada, só de calcinha e camiseta, linda. Sem falar nada se aninhou no colo dele. Ela adormeceu logo e ele tentou se esticar para pegar os cigarros e o isqueiro. Não conseguiu e desistiu para não acordá-la. Pensou num copo de uísque. Desistiu pelo mesmo motivo. Depois de mais um trovão que balançou a casa, ela pediu para subirem. Estava ficando com frio. Ele adorava isso. Erotizava os seios com os mamilos duros e pelos arrepiados pelo corpo dela. Ele sorriu, ela entendeu. Ela foi na frente, subiu as escadas sem olhar pra ele. Antes de subir, ele olhou mais uma vez o material em cima da mesa, pensou no prazo, foi à cozinha, colocou no copo três gelos e encheu de uísque. Pegou o melhor que tinha no bar da casa, já que não poderia terminar o trabalho mesmo. Queria aproveitar os 21 anos em cada gole que escorria por sua garganta. Encheu novamente o copo e subiu.

Ela estava tomando um banho gelado. Louca, pensou ele. E já sabia a resposta que ela daria, caso comentasse qualquer coisa sobre o frio dela e o banho gelado. Ela diria que se tomasse um banho quente, ficaria com mais frio na hora de sair do chuveiro. De todo modo hoje ela não tinha opção. Não havia luz. Não poderia tomar banho quente mesmo.

Com o copo na mão, ele deitou na cama e a esperou sair do banheiro. Saiu como ele imaginava: descabelada, nua, molhada, arrepiada. Linda.

Ela veio pra cima dele, beijaram-se muito, os corpos esquentaram. Mais um daqueles estrondos que sacodem a casa. Bem perto. Ao longe, gritos de algazarra. Tudo escuro lá fora e ali dentro. Ela disse que só queria dormir abraçada com ele naquela noite chuvosa. Puxou o edredom para cima dos dois. Ficaram assim, quietos, entrelaçados.

Lá embaixo, na mesa, o material continuava espalhado. Foi a última coisa que pensou antes de beijá-la de leve e dormir feliz.

2 comentários:

Denise disse...

Não perco os teus contos de quinta-feira e cheguei à conclusão de que preciso ler o teu livro!!! Se lembrar, por favor, leve um ao próximo colégio de presidentes, tá? Abração!

Anônimo disse...

Gostei demais. Fazia tempo que vc não escrevia um nesse sentido, né? Bom, senti frio só de ler.......