Bacafá

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Contos de quinta: Elevador.

Elevador.

Segunda-feira. 06h53.

- Cuidado... obrigado.

Ao sair do elevador, por aquele vão de pouco mais de sessenta centímetros, ele respirou aliviado. Na realidade aquela saída foi um tanto quanto grotesca. A cabine parada entre dois andares, resolveram tirá-lo pela parte de baixo, o que significou que ele teve literalmente que se esguichar e depois se equilibrar na escada que lhe colaram como apoio. Mas estava lá, mais tranqüilo, aspirando ar puro novamente. Sua cara estava horrível, suas roupas totalmente amarrotadas e um pouco sujas.

Segunda-feira. 04h35.

O cansaço tinha novamente tomado conta dele. Encostado no canto, dormia sem sonhar. O sonho ele tinha acordado, que alguém o tirasse dali.

Segunda-feira. 06h29.

Ele acordou com barulho de alarme. Desses que são acionados ou desligados, residenciais ou comerciais. Percebeu que já havia pessoas circulando no prédio. Apesar de todo doído, levantou-se num pulo. Começou a chamar por alguém, pedir socorro, esmurrar a porta. Uma moça ouviu e falou pra ele se tranqüilizar que já estaria chamando o zelador ou porteiro para ajudar. Ele se sentou e chorou baixinho. De alegria. De cansaço.

Sábado. 19h02.

- Tchau, Juarez. Vai ficar aí muito tempo ainda?
- Não. Só mais uma meia hora. O suficiente para terminar esse relatório para segunda-feira. Tenho festa hoje à noite e ainda vai ter um esquenta na casa de uns amigos. Abraço. Bom final de semana.
- Valeu, obrigado. Pra você também. Vê se não dorme aí em cima dessa papelada.
- Vai praquele lugar, vai.

Sábado. 21h37.

“Só vou lá no carro pegar o cigarro; aproveitar que ninguém tá aqui pra me encher o saco.”

Sábado. 21h42.

- Puta que o pariu. Que deu agora? Por que essa porra parou?

A luz foi diminuindo aos poucos. O barulho do ventilador também. Ele apertava os botões de emergência e nada. Nem estalavam, não chamavam, não apitavam, não socorriam, não piscavam, não acendiam. Nada. Berrou. Nada. Berrou de novo, mais alto agora. Silêncio.

Lembrou do celular. Procurou no bolso. Lembrou que deixou em cima da sua mesa. Lembrou que disse para os amigos que talvez não fosse à festa. Lembrou que tinha terminado há um mês com a namorada. Lembrou que seus pais estavam viajando. Lembrou que nem fala com o vizinho. Lembrou que ninguém se lembraria dele ou pelo menos não estranhariam sua ausência. Torceu para que a luz voltasse logo. Lembrou que iria encher o saco do síndico para colocar um no break gigante no prédio. Não lembrou o nome certo do sistema. Lembrou que não sabia quem era o síndico.

Sábado. 22h11.

Começou a socar as portas e as paredes do elevador.

Sábado. 22h39.

Estava afônico e com as mãos doendo. Alguns dedos sangrando.

Segunda-feira. 01h11.

Tentou mais uma vez alcançar o teto do elevador. Conseguiu apenas quebrar o forro e torcer o tornozelo direito.

Domingo. 16h35.

Acordou com o barulho de sirenes na rua. Gritaria. Gritou também. Mas ninguém lhe atendeu. Percebeu que estava com a mão molhada.

Sábado 23h58.

Ele já tinha cantado todas as músicas que sabia de cor. Percebeu que sabia muito poucas músicas. Já estava com sono. Encostou-se num canto. Tirou a blusa e tentou ajeitar como um travesseiro na parede mesmo.

Domingo. 02h49.

Acordou deitado, com as pernas dobradas. A blusa-travesseiro estava do outro lado do elevador. Acordou com sede e com vontade de fazer xixi.

Continua...

2 comentários:

Bruna Gabriela Peixer disse...

Li e parei para pensar em quem notaria minha ausência em um caso como o do conto...

Espero que nunca aconteça comigo, mas pelo menos eu teria um vasto repertório de músicas para cantar no elevador! rsrs

Anônimo disse...

hummmmm e a outra parte ???? to esperando ainda bj