O pulo.
Talvez uns trinta metros. Sim, talvez uns trinta metros entre o peitoril da janela e a rua. Uma distância razoável. Quem sabe? Muito provavelmente não vai sobrar muita coisa, mesmo. Será que é verdade que os suicidas que pulam de grandes alturas morrem antes de se esborracharem no chão? Será que a taquicardia é tanta que o coração realmente para antes do fim? Do fim da queda, claro; porque se o cara morrer antes, pode-se dizer que temos o fim antes do fim. Deve ser um vôo interessante. Rápido, mas interessante. Será que dá para ver as vizinhas pelas janelas andares abaixo? Será que estarão se trocando? Melhor se estivessem nuas. Seria uma recompensadora visão do paraíso – dependendo a vizinha, claro – antes de ir para o inferno. Pelo menos é o que dizem por aí: que quem se mata vai para o inferno. Sem escalas, sem purgatório, sem chances de uma subida para ares mais frescos. Pelo lado positivo, e sempre existe um, por pior que a situação pareça, meus amigos ou estão ou irão para lá, mais cedo ou mais tarde. A festa, no final das contas, ou das vidas, vai ser boa. Se é que existem inferno, céu e meio-termo, claro. Ai, ai. Voltando às vizinhas se trocando com as janelas ou cortinas abertas. Enquanto uns se matam se explodindo e levando junto quem estiver por perto para ter as virgens no paraíso deles, eu poderia ter as mulheres – ou vê-las, ok, ok, só vê-las – antes da minha morte. Ou no processo pré-morte. Rápido processo, nesse caso. Ai, ai. Contudo, tem sempre alguém pra te sacanear. Mesmo que não saiba que está te sacaneando. Como esse meu vizinho de cima, por exemplo, que resolveu escutar Chico logo agora. O Chico Buarque de Holanda, eu digo. Não o Chico Science. Nada contra o Chico. Ao contrário, até gosto dele. O Buarque, eu digo. Mas o vizinho só pode estar me sacaneando ao escutar a essa hora Construção, do Chico. Ai, ai. Ou então é um sinal. Sinal de que estou no caminho certo e que estou me enrolando para terminar isso de uma vez. Ai, ai. Espero não cair em cima de ninguém. Até porque cair embaixo de alguém daqui seria impossível. De todo modo, matar alguém sem querer e não morrer não seria uma sensação das mais agradáveis. Ai, ai. Por outro lado, como diz a música, parece que algo é inevitável: vou atrapalhar o tráfego. A polícia, o socorro, os para-médicos, os bombeiros que se virem, também. Afinal paguei tantos impostos para que? Ai, ai. Que bom que o dia está bonito. Detestaria terminar tudo num dia chuvoso, feio. Já basta o meu estado post mortem que não vai estar lá dos mais bonitos. Porra, será que minha cara vai ficar muito arrebentada? Ou ficará como um pacote flácido no meio da rua, como diz o Chico? E se pular para cair em pé? Não sei, acho que não vai dar certo igual. Meus fêmures vão parar nas clavículas. Ficaria muito tosco. Talvez economizasse no caixão dessa forma. E se cair de costas? Será que sobra alguma coisa? Acho que o caixão vai fechado seja qual for a posição que eu me estatelar no chão. Ai, ai. A sensação de liberdade e de voar deve ser boa. Ai, ai. Qual será a manchete do jornal? “Imbecil se joga do décimo andar e atrapalha a vida dos transeuntes”. Ou “Homem em provável estado de depressão não agüenta a pressão e se mata no centro da cidade”. Ou, ainda, em um tom mais romântico: “O que será que leva um jovem a se jogar da janela de seu belo apartamento? Um amor não correspondido? Dívidas antigas? Uma vida secreta? Ninguém mais saberá...”. Não, não, ninguém vai colocar uma manchete dessas em nenhum jornal. Talvez no da escola onde estudei. Pensando bem, acho que nem lá. Ai, ai. Nenhum idiota parou lá embaixo para pedir pra eu me jogar. Nos filmes isso sempre acontece. É. Não vai ser dessa vez. Está esfriando aqui fora. Vou entrar que o jogo de futebol já vai começar na televisão.
3 comentários:
Que delícia! Sorri de leve com seu tom humorístico. Parabéns, e prazer em conhecê-lo
haha. esse aí lembrou "Dama de Vermelho", com Gene Wilder.
ÓTIMA! Eu ficaria com "Imbecil se joga do décimo andar e atrapalha a vida dos transeuntes".... hahaha
Mas, ei, se fosse você (mesmo), eu sentiria sua falta! Quem sabe ao menos no meu diário seria manchete.........??
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