Bacafá

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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Contos de quinta: Eternos.

Eternos.

1940.

O casamento havia sido simples, mas os noivos não se importaram com isso. Para eles foi a mais bonita e magnífica cerimônia que já tinham presenciado. O padre disse belas palavras. O dia estava bonito. A pequena capela, florida e perfumada. Os poucos convidados, emocionados. Ali começou uma vida a dois batalhada, longa e amorosa. Alguns reveses e muitas alegrias. Cinco filhos (dois homens e três mulheres), quinze netos entre rapazes e garotas, dezoito bisnetos. A família sempre cresceu unida, um apoiando o outro, seguindo os exemplos de retidão da matriarca e do patriarca. Nunca foram ricos, mas também nunca passaram necessidades. Sua fortuna consistia na alegria constante e na união inquebrantável. Aqueles noivos novos viram seus filhos crescerem, estudarem, constituírem suas famílias, seus netos e bisnetos nascerem e brincarem. Viram seus cabelos brancos surgirem, a pele enrugar e endurecer, os movimentos ficarem limitados, a respiração cansar mais rápido. Viram o auge da era do rádio, a popularização da televisão e o aparecimento da internet, mesmo sem saber muito bem para que serviria, afinal. Viram guerras e armistícios, sistemas crescerem e entrarem em colapso, economias quebrarem, governos entrarem e saírem. Viram o tempo passar. Aproveitaram, respeitaram, viveram. E se amaram. Amaram-se como é difícil imaginar que se possa amar. Amavam-se até quando brigavam. Amavam-se inclusive quando não concordavam. Amavam-se simplesmente. Suas almas estavam ligadas.

2010.

Os filhos revezavam-se no hospital. Os netos ajudavam e confortavam. A família continuava unida. Triste, mas ainda unida. O patriarca estava em coma há duas semanas. A matriarca internada em estado que refletia cuidados, mas ainda bem lúcida. Um corredor os separava, cada um em um quarto. Quando conseguia, a esposa, com dificuldades, ia ver seu marido. A dor era grande, o medo maior ainda. No seu leito, ela falava para seus filhos e netos que ultimamente em suas orações apenas pedia um último privilégio para Deus. Entendia ter sido abençoada com vida por demais boa e feliz, com um marido insubstituível e com filhos, netos e bisnetos maravilhosos, mas, ainda assim, queria mais um privilégio. Dizia para seus filhos, em especial para as filhas, que já que a vida foi tão completa, que Deus concedesse a possibilidade de o casal deixasse o mundo terreno junto. Os olhos dos filhos e netos marejavam. Entretanto sabiam que a vida de um jamais existiria sem a do outro. Eram pessoas que se completavam e não resistiriam mais sem sua metade. Eram, na realidade, uma vida só. Na semana seguinte a mãe entrou também em coma. Dois dias depois o pai faleceu, às 9 horas. Às 21 horas do mesmo dia a mãe também se foi, sem saber que o marido havia partido 12 horas antes. Foram juntos. Foi-lhes concedido mais este privilégio.

2 comentários:

Kauana disse...

Simplesmente lindo!

Anônimo disse...

Belo conto, bela história e, acima de tudo, um maravilhoso e supremo amor. Tendo conhecimento do "nascimento" deste conto, só reitero cada vez mais minha crença de que há muito mais do que imaginamos neste nosso mundo. O pedido foi aceito pela espiritualidade maior, por Deus. E agora eles ainda permanecem juntos na caminhada pelo crescimento espiritual. Que sejam eternamente felizes! Martha