Bacafá

Bacafá

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Contos de quinta.

A partir de hoje inagura-se o Contos de Quinta. Quinta-feira ou quinta categoria, vai depender do conto. Todas as quintas-feiras tentarei trazer um conto, meu ou de quem quiser se arriscar. O espaço é livre e ficará aberto. Basta me mandar por email que publicarei, se aparecer algum. Começando com A dor.
--------------------
A dor.

Estava lá, ele, olhando para o mar. O dia cinzento, o céu e o oceano juntando-se ao infinito. As águas estavam calmas, apesar da brisa que lhe batia no rosto. A areia lisa pela falta de banhistas ou pessoas dispostas a passear naquele frio de outono.

E ele continuava lá, olhando para o mar e para o nada ao mesmo tempo. Nem o som das pequenas ondas quebrando e nem os cantos furtivos de uma ou outra ave tiravam seus olhos da conjunção mar/céu. Apesar de nem enxergar essa união. Não enxergava nada. Estava ali, parado, recostado na árvore, sentado no banco.

Todo o amor que sentia estava em seus olhos. Todo o ódio também. Sempre soube que toda alegria vem sempre acompanhada da tristeza. Quanto maior a alegria, maior a tristeza. Uma espécie de tristeza preocupação. Ou uma preocupação tristeza, não sabia ao certo. O fato é que quando se apaixona, vive com medo de perder seu amor. Quando faz um projeto, agonia-se por não ter certeza de alcançar o resultado. Quando nasce o filho, se intranqüiliza pelo mundo que lho espera, se não vai sofrer, se crescerá com saúde, se não vai sofrer nenhum revés na vida, pessoal ou profissionalmente, se terá bons amigos, se não cairá no mundo das drogas, se não vai repetir seus próprios erros.

Ou seja, à alegria segue a dor. Uma dor inominada, uma dor silenciosa, uma dor que se tenta esconder, mas que, mesmo lá no mais fundo dos fundos da alma ou da mente, teima em ser lembrada. Inconscientemente na maioria das vezes, é verdade, mas lá, atormentando.

E ao grande amor, a contrapartida da grande dor. Por isso estava lá, sentado, recostado, olhando o nada. Pensando em tudo. Buscando forças, querendo se entregar. Não poderia jamais admitir viver sem ela, sua paixão. Não poderia aceitar vê-la com outro.

A dor não se mede, cada um tem a sua, e a de cada um é maior que a do outro. E a dele cortava a alma e a mente. A dele sangrava por dentro. A dele consumia, a ponto de não enxergar mais nada, de não ouvir mais nada. O mar, as ondas, os pássaros. Simplesmente a dor, abissal, descomunal, irreal de tanto que doía. A dor sem palavras, a dor silenciosa de tanto que gritava. A dor negra de tantas cores que se misturavam. A dor profunda que parecia nunca chegar ao fundo, que sempre doía mais. A dor por ela.

O mar, a areia, agora as estrelas e a lua por cima das nuvens. E ele lá, olhando o nada. Sentado, recostado na árvore. Só sairia de lá quando encontrassem seu corpo, com o que sobrou do veneno em suas mãos. Ou quando encontrassem o corpo dela no porta-malas de seu carro.

2 comentários:

Darwinn Harnack disse...

Tenho escrito alguns contos Rafael, os quais ainda não devo publicar. O recorte temático deles, no entanto, é muito parecido com o desse seu conto de hoje. Acho que temos um gosto literário semelhante.

Um abraço!

Alline disse...

Sim, cada um tem sua dor. E cada um considera sua dor mais forte, mais intensa.

Tô acalentando a mesma ideia, mas porque tenho um livro erótico, não publicado e dividido em pequenos contos, que causa curiosidade lá no blog. Postei três partes e o pessoal pediu mais. Vou ver o que fazer.

Beeeeeijo