Em uma bifurcação perto de casa, porém, um caminhão de coleta de lixo estava atravessado de tal forma que iluminava outra esquina como se fossem holofotes esperando o artista. E como se fosse um artista, passou pelos holofotes um gari fazendo micagens e mímicas ao som do motor do caminhão, cuja platéia se resumia ao motorista do caminhão, os outros colegas e eu, mesmo não convidado para o espetáculo.
O gari, com aquela roupa grossa laranja, em uma noite das não mais agradáveis, trabalhava com alegria. Mesmo fazendo o que normalmente consideramos o mais baixo na escala de empregos, se é que existe alguma escala. O trabalho que consiste em limpar a sujeira dos outros da cidade. O trabalho que envolve muitos riscos à saúde, a profissão que nenhuma pessoa sonha quando criança.
E mesmo sabendo que se os garis não existissem, nossa cidade, qualquer que seja, viraria um caos, normalmente olhamos com certa repugnância ou algum desdém estes homens com os sacos fétidos de lixo dos outros nas mãos. Ao mesmo tempo que um boris casoy da vida vem arrotar sua arrogância em cadeia nacional contra estes trabalhadores, não sabemos o nome e muitas vezes não conhecemos sequer o rosto dos que recolhem os restos de nossa casa.
Aquele gari, entretanto, feliz. Brincando, sorrindo, fazendo seu show particular para poucos, despreocupado, pelo menos naquele momento, com qualquer índice inflacionário, com os políticos corruptos, com o caos no sistema de saúde ou com a parca aposentadoria que um dia talvez venha a receber.
O gari feliz fez muitas das minhas preocupações sumirem instantaneamente. Arrancou-me, confesso, um sorriso e um certo constrangimento por reclamar por tão pouco. Espero lembrar o gari feliz mais vezes, ainda que não mais o veja nas noites da cidade. Espero trazê-lo na minha consciência tempo suficiente para saber que todos temos nossas preocupações, mas que pouca coisa é realmente insuperável.
Que todos nós enxerguemos o gari feliz volta e meia em nossas mentes.
(na foto, Sorriso, o gari mais conhecido do Rio de Janeiro).
4 comentários:
Legal, as vezes precisamos mesmo ser tocados por algo assim...
É incrível como, quanto mais temos, mais reclamamos, e cada vez por menos. Quanto mais luxo e possibilidades temos, menos contentes ficamos com coisas insignificantes.
Abraço dindo.. e aguardo o convite para o bacafá hein.. HAUHUAHHA
Parabéns pelas palavras!!!
Diogo, concordo. Muitas vezes coisas simples falam mais alto que grandes tratados.
Samuel, também concordo. Quanto mais temos, mais queremos. E o bacafá fica por conta da turma se organizar.
Rafa, obrigado. Abraço.
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