Bacafá

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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Ofensa de juiz contra advogado em audiência é crime contra a honra.

Ofensa de juiz contra advogado, em audiência, é crime contra honra, não mero abuso de autoridade. É possível que, na condução da causa, pratique não apenas abuso de autoridade, mas também crimes contra a honra, como injúria e difamação. A decisão, da 5ª Turma do STJ, foi proferida em recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT) que rejeitou queixa de advogado que se sentiu ofendido por magistrado.

O advogado Fernando Antonio Duarte Pimentel atuava como assistente judiciário do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) do Centro de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF) em audiência de instrução criminal de ação penal contra acusado pelo uso de alegadamente falsa carteira de motorista, consistente em falsa cópia autenticada do documento.

Ao lhe ser permitido fazer pergunta à primeira testemunha, o advogado, por meio do juiz, questionou qual a orientação da PM do Distrito Federal quanto à condução de veículos por motorista portando apenas cópia da Carteira Nacional de Habilitação.

O juiz Benito Augusto Tiezzi, então, indeferiu a pergunta, argumentando ser ela impertinente, tendo em vista que o importante era a falsificação da CNH e não se a PM considerava válida sua cópia autenticada. Ao que o advogado respondeu que, se ficasse esclarecido que a PM e o Detran não aceitam cópia da CNH, ainda que autenticada, então a conduta deixaria de tipificar crime pela impossibilidade de lesão. Daí a pertinência da questão.

A insistência do advogado Duarte Pimentel em formular a questão, ou que ao menos fosse consignada no termo para posterior recurso, bastou para que o juiz, como afirma a queixa-crime inicialmente rejeitada, "explodisse em ira inusitada, afirmando em alto e bom som que ‘não estava ali para ouvir perguntas idiotas e que indeferiria todas as perguntas que, como aquela, se mostrassem igualmente idiotas’."

A queixa-crime afirma que "diante do inusitado destempero do querelado, o querelante rogou-lhe que se compusesse, tratando-o com o mesmo respeito com que era tratado, ao que redargüiu o juiz: "quem era o advogado para falar-lhe em compor-se".

O querelante respondeu-lhe, então, que contava 17 anos de prática do Direito, o que lhe garantia certa experiência no aquilatar a adequação das perguntas, ao que o querelado redargüiu que o advogado não parecia ter essa experiência, pois se comportava como um iniciante. O juiz chegou até a questionar se o querelante era formado.

Segundo a peça inicial da queixa-crime, o juiz Benito Augusto Tiezzi ainda completou: "se minha vara está zerada, isso se deve exatamente ao fato de não admitir perguntas idiotas e mais". E arrematou: "se o advogado trabalhasse tanto quanto eu trabalho, não estaria aqui a formular perguntas idiotas, tomando inutilmente o meu tempo."

O advogado ainda tentou contemporizar, afirmando que, se a pergunta tivesse sido feita, ou apenas indeferida e consignada, não se perderia tempo com o bate-boca.

"Mais uma vez descontrolado e ameaçador", afirma a queixa-crime, "o querelado afirmou que não o queria mais advogando em sua vara, ao que o querelante respondeu que ele não poderia impedir seu exercício profissional ali ou em qualquer outro juízo, ao que o querelado respondeu que era ele quem mandava ali e quem nomeava o NPJ da AEUDF para funcionar em sua vara e que ele iria dizer ao (...) diretor daquele núcleo para não mais permitir que o querelante ali atuasse."

Ao fim do incidente, o juiz fez consignar no termo a pergunta pretendida, "mas redigiu a questão como quis, daí ter-se tornado ininteligível, ‘in verbis’: ‘Que lhe foi perguntado pelo nobre defensor qual seria a interpretação que o comando da polícia militar daria sobre a apreensão de uma cópia autenticidade de uma carteira de habilitação, quando, em razão da subjetividade da pergunta, que implica inclusive em espécie de julgamento pela testemunha, como também por ser impertinente a perquirição da verdade real objeto destes autos, foi indeferida’. (sic)"

Ainda, na audiência da testemunha seguinte, outro policial militar, o advogado repetiu a mesma pergunta "que ensejou todo o acesso de fúria do querelado, mas este parece que só então, de modo retardado, compreendendo o alcance da indagação, formulou a pergunta ao policial, obtendo dele a afirmativa de que a cópia da carteira de habilitação devidamente autenticada pelo Detran competente é aceita na fiscalização de trânsito."

Para o TJ-DFT, aplicar-se-ia no caso o princípio da especialidade, tendo em vista que a conduta praticada pelo juiz se enquadraria tanto em norma geral (crimes contra a honra) quanto em norma especial (abuso de autoridade). Como, para este crime, a ação penal cabe ao Ministério Público, o advogado seria parte ilegítima para promovê-la, o que levou à rejeição da queixa-crime. Houve, então, recurso especial ao STJ.

O ministro José Arnaldo da Fonseca, no entanto, considerou que o magistrado pode, sim, praticar ambos os crimes ao ofender, no desempenho da função, outras pessoas. "Dentro dessa óptica e segundo a melhor doutrina, o crime de abuso de autoridade, melhor definido como abuso de poder, tem como objetividade a lisura da atuação do funcionário público, dentro dos padrões exigidos por lei. Isto quer dizer que o sentido da tipificação incide sobre o desvio do servidor, em detrimento da Administração que lhe delegou, por lei, um poder específico, ou seja, à medida que o Poder Estatal é manipulado de forma anormal, com abuso, está-se em jogo o crime em questão."

"De outro lado", esclarece o ministro relator em seu voto, "no tocante aos crimes contra a honra, a objetividade jurídica em nada incide na preocupação do desvio do agente público, mas no fato de sua responsabilidade, como pessoa, em respeito à honra (objetiva e subjetiva) de outrem. Portanto nada tem a ver com o atuar do poder estatal.”

Por esses motivos, acompanhado à unanimidade pela Turma, o ministro deu provimento ao recurso para, afastada a ilegitimidade do advogado recorrente, determinar o recebimento da queixa-crime pela difamação e seu julgamento pelo juízo competente como entender de direito. Ficou reconhecida, porém, a prescrição quanto ao crime de injúria.

O magistrado Tiezzi é o titular da 3ª Vara Criminal de Brasília, sendo o 13º em antiguidade, no rol dos juízes de primeiro grau. (Resp nº 684532 - com informações do STJ).

Fonte: OAB NOTÍCIAS – ELETRÔNICO (nº 7/2005)

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