Hoje vivemos um estranho paradoxo: estamos remediando com um “mais Estado” policial e repressor o “menos Estado” social, quando a idéia deveria ser o contrário. A ausência de Estado na educação, na saúde, no lazer faz com que os cidadãos fiquem preocupados com a (falta) de segurança que assusta em todas as cidades do país, em maior ou menor escala.
Esta falta de segurança e excesso de violência aliadas à falta de política social e legislação antiquada, entretanto, não podem servir de justificativas para procedimentos policiais que não respeitem as leis, em especial a Constituição Federal, violando princípios e garantias individuais.
Nas abordagens de rotina, sejam de trânsito ou não, as autoridades policiais não podem agir suprimindo direitos dos cidadãos tomando medidas abusivas ou ilegais com o simples argumento de interesse social ou de segurança pública, sob pena de incorrerem em abuso de autoridade ou constrangimento ilegal.
A busca pessoal sem mandado judicial, questão de sérios conflitos entre a polícia e a sociedade, deve obedecer ao que dispõe o art. 244 do Código de Processo Penal: “no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse da arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.
No § 2º do art. 240 do mesmo Código está claro que “proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior”. As mencionadas letras referem-se a: coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou objetos falsificados, armas munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso, objetos necessários à prova da infração ou defesa do réu e cartas destinadas ao acusado ou em seu poder, quando hajasuspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato.
Porém, como já ensinou o magistrado e professor de Direito Penal Guilherme de Souza Nucci, “a fundada suspeita é requisito essencial e indispensável para a realização de busca pessoal, consistente na revista do indivíduo. (...) Assim, quando um policial desconfiar de alguém, não poderá valer-se, unicamente, de sua experiência ou pressentimento, necessitando, ainda, de algo mais palpável, como a denúncia feita por terceiro de que a pessoa porta o instrumento usado para o cometimento do delito, bem como pode ele mesmo visualizar uma saliência sob a blusa do sujeito, dando nítida impressão de se tratar de um revólver”.
E continua o doutrinador: “não agindo como determina a norma processual penal e procedendo à busca pessoal de alguém sem qualquer razão, pode o policial incidir em duas infrações: funcional, quando não houver elemento subjetivo específico, merecendo punição administrativa, ou penal, quando manifestar, nitidamente, seu intuito de abusar de sua condição de autoridade, merecendo ser processado e condenado por isso”.
Abordagens policiais pessoais que coloquem a integridade moral ou que constranjam o cidadão sem qualquer fundada suspeita não podem ser toleradas, sob pena de passarmos a viver em um estado policialesco.
Em especial a busca em local público, cujo risco de ser vexatória e ridícula a quem a sofre, deve ter sua fundada suspeita, legalmente prevista, devidamente explicada ao cidadão. A medida é de exceção e, por isso mesmo, deve atender aos ditames da lei. A revista em veículos tem a mesma proteção, ou seja, somente devendo ocorrer em caso de fundada suspeita, podendo ser acompanhada pelo seu condutor.
As corporações tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar são, em regra, comprometidas com o Direito e a Democracia, e o desvio de conduta de poucos de seus membros não pode ser tolerado nem pelo comando, nem pela sociedade e muito menos pelo Poder Judiciário. Os cidadãos querem e precisam confiar na polícia e a polícia necessita sempre atuar dentro da legalidade para ter sua credibilidade reforçada a cada dia.
Um comentário:
raphael, querido,
curioso como seu "post" parece um desdobramento deste outro - http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/ - escrito por alguém de outra cidade, com um perfil diferente do adotado por seu blog, mas que, assim como você, acompanho por saber que tem algo a dizer!!!
concordo em número e grau. engrosso o coro.
abraço,
mafra.
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