Bacafá

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Da hipocrisia humana.


Domingo passei na casa dos meus pais, na praia. Um livro do Jack Kerouac nas mãos que acabei lendo só o primeiro parágrafo. Dia de sol. Pais para colocar os assuntos em dia, mais filha, namorada, amiga da filha. O On the road poderia esperar um pouco mais para ser lido de verdade. Na realidade, estou com tantos livros pendentes de leitura que nem sei se é a vez do Kerouac; há outras prioridades, se é que existem prioridades na literatura.

Mais tarde chegou uma prima querida com o marido e os dois filhos, um garoto quase da idade da minha filha e uma pequena dançarina de tudo, inclusive de forró, que tentou me ensinar. Só lamentou minha falta de coordenação.

Conversando com essa prima, também de muitos assuntos atrasados, acabamos, não sei por quê, chegando aos temas sonegação, pirataria e derivados. Enfim, corrupção e ética. O diálogo foi bom, interessante, construtivo. Cada um com suas opiniões. Entretanto fiquei pensando no assunto nesses últimos dias.

E pensei na natureza humana, categoria de animais na qual obviamente me incluo. É muito fácil enxergarmos apenas o que nos interessa quando o assunto é polêmico e duvidoso. Vou tentar não cair nessa armadilha.

Por exemplo: hoje em dia é muito raro algum cidadão – brasileiro, ao menos – que goste de pagar tributos, ou menos dramaticamente, que, se tiver a chance, não se importe em sonegar alguma coisinha que seja. E sem peso na consciência.

Nessa linha, muita gente compra cds e dvds piratas por entender que nada há demais nisso ou, outro argumento que ouço muito, porque os originais estão muito caros. E assim a humanidade caminha: uma fila furada aqui, um troco a mais não devolvido ali, uma estacionada em lugar proibido acolá, uma infração de trânsito lá, e etc., etc., etc., etc... Por outro lado, vivemos falando mal e reclamando – com razão – dos políticos corruptos. Ou daquelas pessoas que fazem algo que “jamais faríamos” para conseguir alguma coisa.

Assolou-me uma dúvida cruel: é mais corrupto ou aético aquele que desvia o dinheiro do povo podendo matar pessoas na fila dos hospitais sucateados ou deixando crianças sem estudar ou aquele que compra um cd pirata no camelô e não paga tributos e nem os direitos autorais do artista, que, em tese, vive da sua arte?

Penso que ambos são e não sei dizer se há grau para medir corrupto ou falta de ética. Assim como são todos os que deliberadamente infringem alguma norma, escrita ou não. Eu, particularmente, abomino a compra e produtos piratas. Além de serem de qualidade inferior (o que os meus amigos defensores deste tipo de compra negam veementemente), há o problema de desprestigiar o artista, além de, na minha visão, este tipo de bandidagem andar de braços dados com o tráfico de drogas, de pessoas e de armas. Não o pobre coitado que vende o cd por “cinco real” na banca, mas o seu fornecedor e o fornecedor do seu fornecedor. Ou alguém em sã consciência acredita que esse volume de produtos falsificados é fabricado no fundo de um quintal? Não quero me sentir culpado pela morte de um conhecido parado no sinaleiro provocada por algum drogado. Aqueles meus mesmos amigos dizem que é exagero meu. Talvez, não sei. Quando virem um cano fumegante no vidro do carro talvez mudem de opinião, ou achem que foi apenas uma fatalidade, culpa do governo.

O fato é que enquanto essas coisas acontecem só com os outros, ficamos hipocritamente fazendo de conta que não nos afeta e que não nos interessa. E quando nos interessa, tendemos a achar que nem é tão grave assim. É grave, sim, porque as coisas grandes normalmente são decorrentes de coisas que começaram pequenas.

O homem é hipócrita, sempre foi e não vejo perspectiva de mudança nesse assunto. Não quero generalizar; há pessoas que seguem uma vida absolutamente ética e incorruptível. Mas falo de maneira geral.

E nos acostumamos a isso não de agora. Alguém lembra da Lei de Gérson? Aquela que foi revogada pela Lei de Zeca Pagodinho. Sobre essas “leis” falarei num post em breve.

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