Decisão definitiva - não cabendo mais recursos - condenou a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre a indenizar com o valor nominal de R$ 100 mil e pagamento de pensão vitalícia de quatro salários mínimos (atuais R$ 2.180,00), uma menina - com atuais nove anos de idade e que foi contaminada no hospital em 2006, quando tinha apenas cinco de idade.
A decisão é da 10ª Câmara Cível do TJRS, que confirmou sentença proferida pelo juiz Eduardo Kothe Werlang, da 11ª Vara Cível de Porto Alegre, mantendo a reparação pelo dano moral, mas aumentando o valor da pensão vitalícia - de dois para quatro salários mínimos por mês. O acórdão é do dia 31 de julho; não sendo interposto recurso especial, a condenação transitou em julgado.
Portadora de distúrbio sanguíneo causado pelo funcionamento inadequado das células-tronco da medula óssea - doença que é chamada de mielodisplasia - a criança teve o mal diagnosticado aos quatro anos de idade. Desde 2006, quando o mal foi constatado, a menina vinha se submetendo a periódicas transfusões de sangue - foram cerca de 60, ao longo de 20 meses. O tratamento foi sempre custeado (90%) pelo plano de saúde patrocinado pela empresa porto-alegrense onde o genitor da criança é trabalhador.
Após um exame de rotina em 13 de março de 2008 para a contagem dos glóbulos vermelhos, os pais da criança foram surpreendidos com o resultado positivo para o vírus HIV. Por orientação médica o exame foi refeito e a contaminação, infelizmente, foi confirmada. Segundo a petição inicial da ação indenizatória, "a Santa Casa negou-se a reconhecer a culpa pelo dano causado".
Em face da negativa, os pais resolveram pedir em juízo um pensionamento mensal vitalício, reparação por danos morais e indenização por danos patrimoniais para cobrir os gastos decorrentes (passados e futuros). A antecipação de tutela foi indeferida.
Dois depoimentos foram fundamentais para a conclusão judicial de responsabilidade civil objetiva do hospital. Uma médica garantiu que "o pessoal da Santa Casa achou a bolsa infectada, mas um dos colegas me disse que eles não localizaram quem fora o doador infectado, porque uma bolsa de plaquetas é de múltiplos doadores. A amostra infectada eles acharam, mas 45 por cento das pessoas, dos doadores da época não foram chamados, ou se foram convocados, essas pessoas não compareceram".
Um segundo médico confirmou que nem todos os doadores voltaram ao hospital para fazer novamente o teste: "Foram rastreados todos os 209 doadores registrados de dezembro de 2006 a julho de 2008, que foi o período das transfusões que a menina recebeu. Foram enviadas correspondências, cartas registradas, para comparecerem ao serviço para repetir testes novamente; então, 137 vieram, mas 72 doadores não compareceram" - refere o depoimento.
Para o juiz Werlang, "diante deste cenário, desnecessária a perquirição de culpa do estabelecimento, porquanto, tratando-se de relação de consumo, tendo havido a demonstração da existência do fato imputável à Santa Casa e não tendo esta se desincumbido de seu ônus processual resta configurada a sua responsabilidade objetiva, pois há prova suficiente do nexo causal mostrando o liame entre os serviços prestados pela ré, bem como o resultado funesto da contaminação da paciente autora".
O magistrado elogia o agir dos operadores de saúde envolvidos, "inclusive relatando com honradez os elementos de prova que desfavoreceram a instituição ré".
Matéria publicada nesta mesma edição do Espaço Vital revela - com dados do início de 2011 - que o risco de contrair HIV em transfusão é maior no Brasil do que nos EUA. Uma estimativa calcula que uma em cada 100 mil bolsas de sangue do País pode estar contaminada pelo vírus causador da aids. Nos EUA, a relação é de uma para cada 2 milhões de bolsas.
Para o relator da apelação no TJRS, desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, "restou evidenciado o nexo de causalidade entre a falha do serviço dispensado à autora e a infecção pelo vírus do HIV ocorrida nas dependências da Santa Casa, em razão das diversas transfusões de sangue realizadas durante tratamento médico".
O acórdão é objetivo: "as provas documental e testemunhal comprovam a falha no serviço, do que decorre o dever de indenizar". (Proc. nº 70042310946).
A reparação pelo dano moral (R$ 100 mil) será corrigida a partir da sentença (17.11.2010) e os juros legais retroagirão à data da citação (4.8.2009). Cálculo de atualização feito hoje pelo Espaço Vital leva à cifra atual, no ponto, de R$ 131.118,67.
A advogada Lucia Isabel Godoy Junqueira atuou com sucesso em nome da menina, representada por seus pais. Os honorários advocatícios foram fixados em R$ 10 mil, mas tiveram sua exigibilidade suspensa, porque em desdobramento anterior do caso (A.I. nº 70032656647), a 10ª Câmara concedeu a gratuidade à Santa Casa.
Em primeiro grau, o processo entrou em fase de cumprimento de sentença. (Proc. nº 10901824058).
Fonte: Portal Espaço Vital.
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