Bacafá

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Contos de quinta: O livro - parte II.

O livro - parte II (clique aqui para ler a primeira parte).

Acordei doído, torto, no sofá. O livro no chão, de onde ficou me observando quando levantei. Tomei um café frio, lavei o rosto e fiquei me olhando no espelho. Só poderia ser um sonho tudo isso. Resolvi tomar um banho. Primeiro gelado, depois quente. Saí mais acordado do chuveiro.

Voltei ao sofá, apanhei o livro do chão e fiquei olhando-o demoradamente. Não sabia se deveria continuar a lê-lo. Estava tudo muito estranho. Voltei à página onde parei, mas não tinha mais certeza de nada. Tudo era familiar.

As festas com os amigos, as namoradas, a primeira transa, o primeiro emprego, o primeiro salário, a faculdade, mais festas... tudo como na minha vida. Fiquei lembrando de cada detalhe, inclusive daqueles que não constavam nas páginas.

Ali pareciam estar meus relacionamentos que não deram certo. Como não percebia o que está tão claro aqui? Como não percebi tudo o que acontecia antes do fim, tudo o que eu fazia ou que deixava que fizessem comigo? Os sinais delas, os meus atos, o rumo das conversas... o comportamento, o silêncio, a ausência, a rotina. No final, a solidão. Nos finais. Tudo tão previsível, tudo tão óbvio e tudo tão possível de mudar antes de estragar tudo. Minha cabeça rodou mais uma vez, meu estômago embrulhou, minha garganta apertou. Tudo tão fácil de ser diferente, tudo tão claro nesse livro. E tudo tão parecido, tudo tão igual a minha vida.

O sucesso profissional no livro veio na mesma fase da minha vida. Do início como estagiário até a compra da parte majoritária na sociedade da empresa de publicidade e propaganda. Os prêmios, o reconhecimento, o dinheiro. As noites sem dormir, as viagens intermináveis, os clientes insuportáveis, as clientes adoráveis. As drogas, a vida yuppie, as festas violentas, o acidente.

Levantei, fui até o espelho do banheiro e fiquei olhando minha cicatriz na testa. Coloquei o livro sobre a pia, aberto na página onde o protagonista também sofre um acidente. Do meu acidente não lembro nada. No livro, os paramédicos chegaram, retiraram o motorista do que sobrou do carro, e o ressuscitaram. Dois meses em coma, e a retomada paulatina da vida. Sentei-me no chão e chorei.

Liguei para minha ex-namorada, falei que queria conversar e ela respondeu que não poderia. Que, na realidade, não queria. Fiquei pensando onde foram parar nossos anos de namoro e nossos planos. Lembrei de Isa, peguei meu celular e demorei uns três minutos para decidir. Ela atendeu com uma voz tão doce quanto seu perfume. Em uma hora chegou na minha casa. Esqueci do livro com a boca de Isa. Pelo menos por enquanto. Esqueci da vida com o corpo de Isa.

Quando acordei já era noite. Aquela garota deitada no meu peito, sobre um dos meus braços. Desvencilhei-me cuidadosamente, fui para a sala, preparei um uísque e o bebi cowboy no escuro. Busquei o livro, acendi o abajur. Eu ainda não acreditava que aquela obra trazia a história da minha vida. Ou que alguém que tenha nascido a 7.7.77 tivesse passado exatamente pelas mesmas situações que eu passei. Que livro é esse, afinal? De onde veio? Quem escreveu? Por que veio parar nas minhas mãos??

Voltei ao acidente, à quase-morte, ao hospital, à cicatriz, à recuperação demorada. Assim como no livro, minha vida mudou. Assim como no livro? Ou assim como na minha vida, o personagem do livro mudou? Isso não é real, não pode ser. Voltei para o quarto e comecei a beijar o corpo nu de Isa.

Caía uma chuva torrencial e acordamos os dois com o barulho forte e seco de uma trovoada. Ela puxou o edredom por sobre nós e se aninhou em mim. Parecia que nos conhecíamos há anos. Levantei sob leves protestos da minha nova amada, de um amor efêmero talvez, e fui atrás do livro, que estava aberto na última página que li.

Todos os meus dilemas psicológicos, religiosos e sociológicos estavam retratados nesta parte do livro. Todos os meus pensamentos sobre as relações humanas, as reações individuais e existência ou não de um ou vários deuses seguiam-se nas linhas que eu lia. Toda a minha agonia sobre o passado e o futuro, meus relacionamentos, minhas perdas, minha vida, traduziam-se em palavras, frases e parágrafos desse livro.

Meu celular tocou. Era minha ex-namorada.

continua...

7 comentários:

Anônimo disse...

Por que vc faz isso comigo?? rsrrsrs
vou ter um ataque de ansiedada :|
rss
Jeniffer

Rose disse...

Tá ficando cada cada vez mais interessante! Espero - esperamos - pela terceira parte ansiosamente.

Anônimo disse...

Continua denovo??????????
Put´s... a ansiedade vai dominar novamente... mas, nada de ex-namorada, em? A isa está ótimo...! rs - Afinal, é sempre mais interessante valorizar quem nos dá valor, não é?

Anônimo disse...

Continua denovo??????????
Put´s... a ansiedade vai dominar novamente... mas, nada de ex-namorada, em? A isa está ótimo...! rs - Afinal, é sempre mais interessante valorizar quem nos dá valor, não é?

Raphael Rocha Lopes disse...

Jeniffer, não morra... continue lendo...

Rose, semana que vem termina.

Anônima, prometo que semana que vem termina... e concordo sobre a valorização.

Jorge disse...

Ah! que pena que vou ter que esperar pelo próximo capítulo. Está bom demais!
abraços, amigo,
Jorge (fazendo arte)

Anônimo disse...

Oba essasemana termina =(
mas to de acordo tem que dar valor a quem te valoriza - se liga - rrsrsrss beijinhos
Jeniffer