Os amigos.
- Mãe, lê pra mim?
- Sim, filha. O que você quer?
- Continua o Menino do dedo verde?
- Claro, é uma bela história. Vai se ajeitando ai debaixo das cobertas enquanto pego o livro.
Depois de ler mais um capítulo do livro do político e escritor francês Maurice Druon, justamente aquele em que o menino descobria seu poder mágico que poderia transformar o mundo, a mãe arrumou o travesseiro e o edredon da pequena menina de olhos e ouvidos atentos. Deu-lhe um beijo na testa, rezou com ela um “Santo anjo do senhor”, perguntou o que fez de bom naquele dia e o que gostaria de fazer de bom no dia seguinte, trocou um sorriso com a filha, deu mais um beijo, agora na bochecha direita, um boa-noite e dirigiu-se à porta. Antes de apagar a luz do quarto, a menina chamou:
- Mãe...
- Diga, meu anjo.
- Posso contar um segredo?
- Claro, amorzinho. Na realidade, nem temos segredos uma com a outra, não é verdade?
- É... mais ou menos... esse eu nunca contei pra mãe.
- Mesmo? Por que?
- Não sei... tive medo de contar. A mãe poderia ficar braba comigo. Promete não brigar?
- Claro, princesa.
- Promete acreditar?
- Você está me deixando preocupada...
- Mãe, a vó mandou um beijo pra você.
- Filha, já falei que não gosto que minta ou fique inventando coisas. Você sabe que a vovó morreu quando você tinha três anos e você já está com cinco.
- Mas é verdade, mamãe. Não briga. Ela me disse que adorava ver você nas competições de natação. E que você vai sempre ser a campeã dela, mesmo quando não vencer.
- Filha...
A mãe ficou com os olhos marejados, lembrando da sua mãe lhe dizendo exatamente essas palavras, algo que não se recordava ter comentado algum dia com sua pequena filha.
- Ela falou mais alguma coisa?
- Nós conversamos às vezes. Ela pergunta da minha escola, me elogia que já sei ler bem e que aprendo fácil a fazer contas. A gente ri bastante.
- Por isso você ri sozinha de vez em quando?
- Não rio sozinho, mãe. Rio com ela. Mas não é só com ela que converso.
- Com quem mais filha?
- Outras pessoas... que não conheço.
- Como assim?
- Pessoas mortas.
- Pessoas mortas?
- É. Elas vêm conversar comigo... pedir coisas. Às vezes eu não entendo. Não entendo o que elas querem. Me pedem coisas que eu não sei. Pedem pra dar recados que não sei pra quem. Outras vezes querem só conversar, só dizer alguma coisa que fizeram ou que queriam fazer.
- E elas vem sempre falar contigo, filha?
- Quase sempre. Algumas ficam bastante tempo comigo, outras vão embora logo. Umas eu gosto, outras me dão medo.
- Tem alguém aqui agora, filha?
- Sim, mamãe. Dois irmãos. Uma menina mais velha e um garotinho de mão dada com ela, ali perto da porta. Disseram que sofreram um acidente de carro, mas que não viram como foi porque estavam dormindo.
A mãe olhou para trás, sem saber se estava com medo. Sentiu apenas um arrepio. Voltou os olhos para a filha. A menina continuou:
- A mãe me acha louca? Acha que eu to mentindo?
- Não, filha, não acho nem que é louca e nem que está mentindo. Eu te amo.
Naquela noite as duas dormiram abraçadas na cama da menina.
4 comentários:
Nossa chega da arrepio =S
Jeniffer
É... pois é.... Parafraseando Shakeaspeare: existem mais coisas entre o céu e a terra do que nossa vã filosofia jamais sonhou....
Seria assustador se não fosse uma realidade vivida por mtas cças !!! Realidade sem explicação para alguns e mto clara para tantos outros !!! Quem diria ler algo assim por aqui ....... Isso sim é evolução de uma alma que vagava e foi encontrada !!!! bjos Lumortari
Vix... é mesmo, Lu! Quem diria ler algo assim por aqui.... !!!
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