Bacafá

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Outro ponto de vista.

Recebi vários comentários a respeito do texto acima, publicado também no jornal O Correio do Povo e no site Por Acaso. Pessoas que concordavam e que discordavam. Abaixo publico, com autorização, a manifestação do Sr. Walter Schwartz, e também a minha resposta a mesma. O mais importante de tudo o que escrevo, para mim, não é a minha opinião propriamente dita, mas, sim, a possibilidade de fomentar o debate. Do debate podem surgir outras ideias ou haver mudanças de ideias, porque, afinal, como dizia Raul, "prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".

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Boa tarde, caro amigo Raphael Rocha!

Gostaria de dizer que li seu comentário de hoje em OCP ref o caso Eloá, onde, como sempre, usou bem as palavras e expôs seu ponto de vista bastante equilibrado. Apenas gostaria de expor meu ponto de vista como cidadão comum (não formado em Direito, mas Comércio Exterior com básicas noções apenas em Direito Público e Privado e Direito Internacional) que o fato da advogada do réu ter sido hostilizada pela opinião pública e mesmo por algumas mídias reflete na verdade o profundo amargor que a população como um todo tem da chamada "Justiça", que não se cansa em oferecer à população péssimos exemplos de como costuma agir em alguns casos.

O senhor (poderia tratá-lo por você?) se lembra com certeza do caso Pimenta Neves, que levou anos para chegar a praticamente lugar algum, sim porque o crápula se encontra preso mas será por pouco tempo e sempre teve todas as regalias e facilidades possíveis durante todo o tempo (cerca de 11 anos) em que se arrastou o processo. O pai da jornalista Ana Gomide, se não me engano morreu sem ver a justiça ser feita, porque por anos o réu respondeu em liberdade, mesmo sendo confesso. Isso ridicularizou a justiça brasileira perante a comunidade jurídica internacional e aumentou o (já imenso) descrédito da população pela mesma.

Casos como este, e mais o fato de os advogados tratarem facínoras como "seus clientes" sabidamente culpados, costumam enojar as pessoas de bem, você (o sr.) como pai, assim como eu e milhões de outros pais e mães (que fossem advogados) pelo país afora com certeza não iriam tratar de "meu cliente" um cara que tivesse matado a filha do advogado defensor (falando-se hipoteticamente, claro). O senhor o faria? (Claro que é uma pergunta no campo das hipóteses porque sabemos que na prática nenhum pai sendo advogado iria advogar a causa do agressor, até por questão de ordem prática, acredito que se julgaria no mínimo incompetente para um caso desses, ou então "suspeito" para isso, não sei qual o termo jurídico para um caso assim.)

E no caso em questão, segundo a revista Veja desta semana que o sr. deve ter lido, a referida advogada tentou tumultuar o processo, praticamente tentando vender a idéia de que o réu teria sido "vítima" de toda uma circunstância, uma verdadeira armação da polícia, orquestrada e conduzida pela mídia televisiva que promove um circo de horrores, etc, etc... Isso sem falar que essa advogada incorreu em sério desacato à autoridade (juíza) ao afirmar que a mesma deveria voltar para a escola, enfim.

Poderia resumir tudo isso na seguinte pergunta para o Sr. e para a Justiça digamos como um todo: Se a vítima fosse filha da advogada, a mesma usaria de todos os meios legais ao alcance para proteger o meliante? Trataria-o como "cliente"? Principalmente nas circunstâncias absurdas em que todo o episódio se desenvolveu? um saco com quilos de balas extras, um constante palavreado chulo e de pouco caso com o negociador, chegou a atirar na polícia, agrediu constantemente a moça, a amiga, etc... e tudo aquilo que infelizmente vimos na tv.

Não assisti a aquilo como um circo de horrores, mas como uma tentativa de ver um caso com um desfecho célere da justiça, fazendo-nos cidadãos de verdade, onde a justiça funcione e se justifique o dístico "Ordem e Progresso" de nossa bandeira, constantemente enxovalhado, inclusive por setores da chamada "justiça". Como você se posicionaria sob este aspecto como pai, como advogado, ou como cidadão comum?

Um grande abraço.

Walter Schwartz

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Minha resposta:

Boa tarde Walter,

Antes de tudo, claro, pode me chamar, sim, de você ou pelo primeiro nome. Não faço questão de outros pronomes que distanciam. No máximo, por uma questão de respeito a todos os colegas, nos fóruns, reuniões e salas de audiência.

O tema, Walter, é polêmico e fervente.

A minha preocupação maior com o texto não é propriamente aquele acusado em especial, o Lindemberg. Minha preocupação é com a sociedade. Não li a veja (não leio a veja faz muitos anos em função de muitas coisas deturpadas que saem naquela revista, o que, no meu ponto de vista, abalou demais a sua credibilidade), mas li em vários sites a respeito da tentativa da advogada de tumultuar o julgamento. Não posso falar com certeza, pois não estive lá, mas é bastante crível que, na realidade, ela tenha usado dos artifícios que a lei lhe dá e as pessoas leigas tenha interpretado equivocadamente. Estou falando em hipótese porque, como disse, eu não estava lá. E, convenhamos, dá muito mais ibope dizer que a advogada de um assassino quis tumultuar do que avaliar a questão do ponto de vista técnico-jurídico. Mas esse é só um ponto da nossa conversa.

O que importa de verdade – claro, além de defensores bem preparados, advogados capacitados para seus trabalhos – é o direito da mais ampla defesa ao maior dos assassinos ou facínoras que possa aparecer. Como eu disse no texto, cada defesa justa não é somente a defesa de um cidadão acusado, mas a garantia de toda a sociedade de que se está numa democracia.

Agora, se eu faria uma defesa de um assassino confesso? Em situação extrema, sim. Extrema, que eu digo, se ninguém mais quisesse fazer, pois não sou especialista no assunto. Teria que estudar toda essa matéria novamente. E se fosse minha filha? Óbvio que não, óbvio que eu gostaria que ele apodrecesse na cadeia. Óbvio, inclusive, que eu provavelmente tentaria matá-lo também. Mas eu não sou o Estado, eu não sou a Democracia, eu sou um cidadão. E seria, nesse caso, um cidadão ofendido no que de mais precioso tenho na vida. E um cidadão nestas circunstâncias não tem o discernimento necessário ao julgamento, não tem a condição plena de resolver o problema. Por isso existe o Estado, por isso existe o Poder Judiciário.

E aí vem o outro ponto crucial: o Poder Judiciário. Como eu disse no texto também, está, coitado (coitado de nós, na realidade) errante e falho. Não há juízes e servidores suficientes. Consequentemente não se consegue dar vazão ao volume existente hoje. E muitos juízes estão acomodados; justificam que não dão conta por causa do volume e não se esforçam em buscar soluções. Felizmente temos as exceções que lutam diuturnamente pra tentar mudar esse quadro. Há, ainda, a questão processual: temos um sistema processual, penal e civil, que dá margem a muitos recursos. E os advogados os utilizam dentro das regras, o que faz com que processos se prolonguem infinitamente mais do que o desejado e esperado.

Repito. Minha preocupação é que os advogados, os promotores e os magistrados sejam preservados neste embate. Normalmente são os advogados os ameaçados porque são os que defendem os supostos criminosos. Mas é necessário. Um país sem julgamento justo e transparente não tem futuro. Não tem liberdade, não tem democracia. Quantos casos foram resolvidos a favor de pessoas acusadas injustamente por conta de advogados corajosos e dedicados? Incontáveis. Algum bandido foi libertado injustamente. Sabemos que sim, mas o sistema não é perfeito. Assim como inocentes são presos e condenados volta e meia. Entretanto, ainda prefiro dois criminosos soltos do que um inocente preso.

Mais ou menos é isso que eu penso. Contudo essa conversa vai longe.

Por fim, posso publicar seu email no meu blog, como contraponto ao que eu escrevi?

Grande abraço.

2 comentários:

Anônimo disse...

É complicado o assunto. Existem duas correntes: uma aos olhos da sociedade, senso comum, do qual, por vezes, é rodeado de informações, ou melhor, boatos que não retratam a realidade, seja ela qual for.
De outro lado, temos os operadores do direito(no caso, advogados) que buscam garantir a mais AMPLA DEFESA para os seus clientes e, para isso, utilizam-se das leis e suas brechas, a fim de construir e constituir novos direitos, enfim, novos olhares sob o tema legal.
Assim, poderia ser desagradável defender a face mais verdadeira do demônio na face da terra, porém, tendo ele o amparo da lei e, acima de tudo, da Constituição, parece menos infernal e mais agradável defender-lhe com TODO O APARATO LEGAL, afinal, para o advogado isso é o que importa.
O instrumento do advogado é a lei e, por ela, deve reger-se.
Não seria cabuloso um médico escolher, a dedo, a vida que irá salvar: a mãe ou o filho? Aqui ele vai utilizar a matemática (porcentagem se estou certo)a fim de salvar a vida que obtiver mais de 50%.
Números, vida... É isso aí. A função do advogado é essa, representar o seu cliente, e nesse contexto, possibilitar a mais ampla defesa, garantindo-lhe os benefícios que a lei dispuser.

Ao médico, restará "matar" a mãe ou a criança, na impossibilidade de os dois sobreviverem. Mas do outro lado, ele irá salvar a mãe ou a criança.

Quem você iria salvar, se tivesse o poder da salvação nas suas mãos? É colega, terá que matar um... Mas salvará o outro.

Longe disso, a lei é o instrumento a disposição pelo Estado, para que os advogados a utilizem da melhor forma. Além disso, se a lei maior (CF/88) diz que não haverá prisão quando a lei admitir liberdade provisória, DEVE o advogado utilizar-se desse benefício.

Da mesma forma, aquele médico possivelmente foi instruído a salvar, entre duas pessoas, a que mais chances tiver de sobreviver.
É a lei da vida e dos dizeres: mais vale um pássaro na mão, que dois voando.

Crueldade ou não, é legítimo e, por assim ser, deve ser feito.

Ao advogado resta desviar-se deste encargo, alegando foro íntimo, ou habilitar-se como tal.

Outra opção legal.

Desculpe-me os erros (estou apre"ç"ado!!!

valewwwwwwwwwwwwwww

Raphael Rocha Lopes disse...

Anônimo (e não sei se é o mesmo Anônimo do outro comentário), a situação é realmente esta. Os olhos leigos não enxergam as nuances jurídicas e tendem (enquanto não estão do outro lado) a colocar todos no mesmo saco de farinha.
Por outro lado, nós que estamos do lado de cá, devemos respeitar e tentar esclarecer como as coisas funcionam.
Grande abraço.