Bacafá

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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Leis interesseiras

“Todos os moralistas estão de acordo em que o remorso crônico é um sentimento dos mais indesejáveis. Se uma pessoa procedeu mal, arrependa-se, faça as reparações que puder, e trate de comportar-se melhor na próxima vez. Não deve, de modo nenhum, pôr-se a remoer suas más ações. Espojar-se na lama não é a melhora maneira de ficar limpo”

Voltou à tona a discussão sobre o desarmamento. Lei interesseira, de políticos charlatões, falsos moralistas, aproveitadores de situação, que se utilizam de comoção nacional para aparecerem sob os holofotes da mídia e fazerem papel de bom moços.

Que fique bem claro: sou a favor do desarmamento; sou contra armas nas mãos de civis; votei contra a liberação das armas no último plebiscito. Mas também sou a favor, e isso mais ainda, da vontade do povo legalmente manifestada. Se a população decidiu ter armas em casa, não é hora, pelo menos não já, de recomeçar toda essa discussão novamente. Eu não uso, eu não tenho e é o que me basta.

Mas alguns falsos moralistas, posando de paladinos da Justiça e dos bons costumes, surgem quando alguma tragédia rompe pelas telas dos nossos televisores. A última oportunidade que eles estão aproveitando é a tragédia na escola do Rio de Janeiro.

E agora? Vamos desarmar a população! Vamos aumentar as penas criminais! Vamos enrijecer o sistema processual penal! Vamos diminuir a maioridade penal! Vamos criar trabalhos forçados! Vamos instituir a pena de morte! Gritaria e sensacionalismo em todos os órgãos da mídia.

Quem se lembra do garoto de seis anos João Hélio, arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro? Quem se lembra de Isabela Nardoni defenestrada? Quem se lembra de Suzane Von Richthofen e seu namorado e o destino de seus pais? Quem se lembra do maníaco do parque? Quem se lembra do Champinha, assassino menor de idade do casal de adolescentes Liana Friendebach e Felipe Silva Caffé, em São Paulo? Todas tragédias espelho da nossa sociedade.

Provavelmente, se não de todos os casos, da maioria o caro leitor lembrou. E possivelmente lembrou, igualmente, das manifestações públicas sobre segurança pública, crimes, sistema prisional e maioridade penal que ocorreram depois de cada um destes episódios.

Ocorre que nossos políticos aproveitadores das tragédias alheias de plantão se esquecem que para cada um desses hediondos casos, há tantos e tantos e tantos outros tão ou mais medonhos. Com uma pequena diferença. Não ocorrem nos grandes centros, não são alcançados pela sanha voraz da mídia. São vítimas silenciosas, sem vez, sem voz e sem nenhum jornalista, canal de rádio ou televisão ou político para gritarem por elas.

Poucas coisas conseguem ser mais irritantes do que ver políticos discursando por alguns dias ou semanas após cada crime como esses. E depois perceber que nada de concreto foi realmente feito.

Entretanto penso que há uma solução, sim. Não reeleger aqueles que ficam zombando da nossa inteligência, da nossa boa vontade e da nossa credulidade. E, pior, que se aproveitam da comoção e da tristeza coletiva que acompanham fatos desta natureza.

A solução, em realidade, passa por uma reestruturação muito maior do que apenas colocar mais policiais civis e militares nas ruas, em ação. Passa pela reestruturação do sistema educacional, do sistema de saúde e da forma de dar oportunidades para a juventude mais carente. Passa, sem dúvida, também, pelas nossas mãos, de eleitores que têm a preocupação de uma sociedade mais justa e de homens menos ensimesmados.

Ficarmos apenas nos lamentando não nos levará a lugar algum. Ou talvez leve: a um lugar pior do que estamos agora.

Em tempo. O texto do primeiro parágrafo foi escrito em 1946, por Aldous Huxlei, no prefácio de uma das edições de seu “Admirável mundo novo”, livro de 1930.

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