O estranho caso do besouro gigante.
Certa noite, caminhava o cidadão pelas ruas vazias, escuras e quentes da silenciosa cidade. Prédios margeando seus passos, casas com as luzes acesas algumas, apagadas outras. Nem os cães ladravam. O estranho silêncio acompanhava o andar do cidadão. Apenas o barulho dos seus próprios sapatos, já gastos, embora limpos. O mesmo não se poderia falar das ruas. Aqui e ali as lâmpadas dos postes piscavam. Outras estavam completamente apagadas, provavelmente queimadas. As restantes emitindo uma luz fraca, amarelada. Nestas, muitos insetos fazendo suas danças e seus malabarismos no entorno.
O cidadão apenas andava, sem destino. Pensava na vida. Às vezes conseguia pensar em nada. Limpava a mente. Entretanto, algo chamou sua atenção para a próxima esquina. Caminhou lentamente até lá, dobrou a esquina e ficou olhando. Surpreso. Analisou vagarosamente, detalhadamente, a estranha criatura a sua frente.
Parecia um monstro. Um monstruoso besouro, para ser mais exato. Seis patas enormes e peludas, todo preto, com uns riscos vermelhos. Ficou atônito na frente do inseto. Mudo, quase sem respirar. O besouro, por sua vez, concentrou-se no cidadão. Olhava, também. Praticamente parado, também. Apenas mexendo as antenas. O bicho deu um passo lento. O cidadão recuou. Sem falar nada. Não porque não queria, mas simplesmente porque não conseguia. Teve a intenção de gritar, mas não conseguiu. Fechou os olhos.
Abriu somente quando sentiu um bafo em seu rosto. O besouro estava praticamente enconstado em seu nariz. O cidadão não sabia se se mantinha congelado ou se saía correndo. Por medo ficou parado mesmo. O monstro resolveu cutucar o cidadão. De leve, sem machucar, como se estivesse dando sinais de boas intenções. O cidadão respirava profunda e vagarosamente. As gotas de suor já escorriam por sua testa. Suor frio que igualmente lhe molhavam as costas.
Deu um passo para trás. O inseto se assustou e deu uns dois ou três passos também para trás, levantando-se um pouco, o que o fez parecer ainda mais gigante do que já era. O cidadão fechou os olhos e se franziu, esperando o pior.
Durante alguns segundos nenhum dos dois se mexeu. Enquanto o menor continuava paralisado, o inseto foi se reaproximando. Encostou novamente no cidadão, como se quisesse mostrar alguma coisa. Como se quisesse se comunicar. Foi o empurrando devagar. Saíram do beco onde estavam e foram caminhando. No inicio o cidadão estava andando de costas. Depois andaram lado a lado.
Quando o cidadão se deu conta já estava em frente a sua casa. Teve uma estranha sensação de que se comunicava mentalmente com o bizarro bicho. Abriu o portão rangente e entrou na frente. O inseto passou um pouco pelo espaço aberto, um pouco por cima do pequeno muro de tijolos à vista.
Ao subir os quatro degraus que davam para a varanda de sua casa, o cidadão se virou e ficou olhando o monstro. Voltou os olhos para a porta e novamente para o bicho. Calculou mentalmente o tamanho do inseto e imaginou se passaria pela porta. Entrou em casa, acendeu as luzes e ficou esperando. O besouro gigante foi se aproximando aos poucos, espremeu-se pela porta e entrou, derrubando alguns enfeites que estavam na mesa na parede ao lado da porta.
Depois de olhar para os cacos, o bicho se acomodou em um dos sofás da sala. O maior. O cidadão pegou uma cerveja na cozinha e voltou pra sala, sentando em uma poltrona de frente para o esquisito bicho em sua esquisita posição.
- Precisamos de um nome pra você – falou em voz moderada.
O inseto continuou olhando para o cidadão bebendo cerveja.
- Mas... que nome? Rubro-negro? Gigante? Zé? Não, não... não combinam com você. Você é muito bizarro... É isso, hehe... acho que é isso mesmo. Bizarro. Seu nome, daqui em diante, é Bizarro.
O cidadão pegou uma tigela de plástico, encheu de cerveja e deu para o Bizarro beber, enquanto entornava a sua segunda garrafa. Ligou a televisão e ficaram vendo aquelas séries americanas antigas enlatadas. Parecia que o besouro ria junto com o cidadão.
No outro dia, ao tempo que o cidadão cortava a grama do jardim de sua casa, Bizarro cuidava, do seu jeito, dos canteiros e dos outros insetos. Na hora do almoço assaram carne na churrasqueira nos fundos da casa e beberam mais cerveja. Falavam pouco entre si, mas havia uma estranha comunicação telepática.
No final do dia o quintal estava perfeito. Jogaram um pouco de futebol no gramado cortado. Depois de mais cerveja foram dormir. O monstro dormia na rua, numa tenda improvisada pelos dois. Dentro de casa já havia quebrado muitas peças e louças.
Quando acordou, o cidadão sentiu um cheiro estranho. Sua cama toda molhada. As paredes manchadas, respingadas. Tudo vermelho. O lençol ensopado no chão, em direção à porta. Uma dor lancinante. Olhou para baixo e não viu suas pernas. Apenas dois tocos ensangüentados e ainda sangrando, com os ossos despedaçados e a carne triturada. Só conseguiu gritar desesperadamente.
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