Bacafá

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domingo, 28 de dezembro de 2008

Diversão sem fim - Umberto Eco e Luiz Carlos Azenha

O texto abaixo reflete um pouco do meu pensamento sobre os últimos e nem tão últimos acontecimentos. A banalização da tragédia e o aproveitamento da dor alheia para autopromoção (já nem sei mais como se escreve isso com as novas regras de gramática) ou para a disputa de quem é mais bonzinho na mídia nacional, além de serem irritantes, afastam-nos do cerne da questão, que deveria ser a busca de soluções não imediatistas, mas efetivas para que se viva mais tranqüilamente (ah, o trema caiu...) e melhor.

O desvirtuamento das questões importantes para aspectos laterais menores, sem qualquer peso social, político, econômico ou filosófico, é, no meu ver, uma grande irresponsabilidade. E essa irresponsabilidade pode ter um grau maior ou menor de maldade. É irresponsável tanto se for um desvirtuamento decorrente da busca de audiência a qualquer preço, com base no que o "povo" quer ver ou venha a se envolver, quanto se for conseqüência de um trabalho de desinformação deliberada, para que o "povo" efetivamente não tenha acesso às questões importantes da vida cotidiana (por mais que o "povo" efetivamente não tenha acesso à grande mídia jornalística, ou PIG, como prefere PHA - ou, ainda, quando tem tal acesso, não entende patavina do que vê ou lê).

Dessa forma, Luiz Carlos Azenha foi muito feliz nas suas considerações e trazendo o texto de Umberto Eco. Vejam:

"Outro dia, mal humorado, escrevi sobre a impressão de que a ajuda aos flagelados pela enchente de Santa Catarina tivesse se tornado uma espécie de "gincana de caridade", onde o mais importante não eram os flagelados, mas a "bondade" dos doadores.

Depois escrevi sobre a ansiedade das crianças de hoje em dia, que precisam ser "divertidas" 24 horas por dia pelos pais.

E um leitor do Viomundo notou que o Jornal da Globo deu mais destaque à Carla Bruni do que ao encontro entre os presidentes da França e do Brasil.

Esses assuntos tão diversos acabaram se encaixando num texto que acabo de ler, do Umberto Eco, sobre a vida contemporânea.

Diz ele, grosseiramente (o texto, em inglês, traduzo livremente):

"Agora, uma das características da cultura em que vivemos é a total carnavalização da vida. Isso não significa que trabalhamos menos, deixando o trabalho para as máquinas, já que dar incentivos e organizar o tempo livre sem dúvida foram objetivos de regimes ditatoriais ou liberais. O fato é que mesmo o trabalho foi carnavalizado.

É fácil e óbvio falar sobre a carnavalização das horas que em média o cidadão gasta em frente do aparelho de TV. Tirando o pequeno espaço reservado para as notícias, a TV oferece em primeiro lugar entretenimento, e nos dias de hoje o entretenimento preferido é o tipo que retrata a vida como uma festa sem fim nos quais palhaços e mulheres lindas atiram não confete, mas milhões em qualquer um capaz de jogar um jogo (e nós reclamamos que os albaneses, seduzidos pelas imagens da Itália, fazem qualquer coisa para entrar neste nosso parque de diversões).

É fácil falar do Carnaval em termos de tempo e dinheiro gasto com turismo de massa e suas ofertas de ilhas do sonho a preços módicos, com seus convites para visitar Veneza -- onde, depois de dar uma de turista, você deixa as latas, o papel e o que sobrou do cachorro-quente com mostarda, como no fim do Carnaval propriamente dito.

Mas consideremos a carnavalização do local de trabalho, onde pequenos robôs amigáveis, fazendo o que antes você fez, transformaram as horas de trabalho em tempo de lazer.

É Carnaval permanente para o trabalhador em escritório que, sem que o chefe saiba, usa o computador para jogar videogame ou visitar a página da Playboy. É também Carnaval para aqueles que dirigem automóveis que conversam com eles, dizem a eles que rua pegar e os expõem ao risco de ter que apertar botões para receber informação sobre a temperatura, o combustível que resta no tanque, a velocidade média e o tempo necessário para fazer a viagem.

O telefone celular [...] é uma ferramenta para aquelas profissões que requerem uma resposta rápida, como médicos e encanadores. Deveria servir aos restantes em circunstâncias excepcionais nas quais, longe de casa, devemos comunicar uma emergência, atraso num compromisso por causa de um acidente de trem, de carro ou enchente. No caso o telefone seria usado talvez uma -- para os sem sorte, duas vezes por dia. Ou seja, 99% do tempo gasto pelas pessoas que vemos com o celular grudado na orelha é diversão. O imbecil que se senta atrás da gente no trem fechando negócios falando alto na verdade é como um faisão com uma coroa de penas e um anel multicolorido em volta do pênis. (...)"".


Vale a pena ler o texto até o final. Um pouco de reflexão numa fase de transição (mesmo que seja só aquela imposta pelo calendário) faz bem para que se veja, de vez em quando ao menos, a vida e os nossos próprios atos de uma outra forma. Ou com outros olhos: aqueles escondidos dentro de nós mesmos.

Para ler tudo acesse o Vi o mundo: http://www.viomundo.com.br/opiniao/a-vida-como-carnaval-24-horas-por-dia/

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